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"Apagão" dos combustíveis expõe urgência da necessidade de descarbonizar os transportes.

Artigo de autoria de: Observatório do Clima, IEMA, SEEG e WRI.

“Quase 15% de toda carga transportada no Brasil é o próprio combustível que viaja milhares de quilômetros para chegar aos postos para abastecer os veículos”.

A atual greve dos caminhoneiros está mostrando de forma inequívoca que a excessiva dependência dos combustíveis fósseis é um sério problema de segurança nacional. A exemplo do que já ocorreu no passado, quando as crises de energia elétrica alavancaram programas e iniciativas de eficiência energética e diversificação da matriz, o caos que o Brasil vive atualmente pode ajudar a lançar luzes sobre o futuro que queremos.

“É muito oportuno se discutir a eletrificação do sistema de transporte brasileiro. Quase 15% de toda carga transportada no Brasil é o próprio combustível que viaja milhares de quilômetros para chegar aos postos para abastecer os veículos. Num sistema de transporte baseado em eletricidade isto desapareceria, pois a energia circula pelo sistema integrado de energia elétrica”, explica Tasso Azevedo, coordenador do SEEG. “Postos de recarga podem ser instalados de forma rápida em qualquer lugar e, ainda, serem carregados com energia solar no local. Embora o investimento inicial seja alto, os custos de operação dos veículos elétricos são muito mais baixos. Apesar dos óbvios benefícios, a eletrificação do transporte tem sido solenemente ignorada nas politicas de transporte, mobilidade e desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, como mostra de forma escancarada o Plano Rota 2030”, destaca.

Passados mais de 40 anos da criação do Proálcool, e mais de 10 anos da criação do programa de incentivo da produção e do uso de biodiesel, mais de 80% da energia que movimenta nosso sistema de transportes ainda é de origem fóssil: gasolina, querosene de aviação e óleo diesel. Ter alternativas tecnológicas à mão é fundamental, mas não parece ser suficiente. “Para quem busca sistemas de transporte livres de combustíveis fósseis, estas crises revelam pistas sobre algumas questões de natureza não tecnológica que precisam ser enfrentadas, bem como acerca de atores sociais que devem ser levados em conta no debate sobre descarbonização dos sistemas de transportes”, explica André Ferreira, do Instituto de Energia e Ambiente.

Entre as razões estruturais que precisam ser abordadas está a excessiva dependência do transporte rodoviário, que os sistemas político e econômico têm enorme dificuldade em abordar. Entre os países de grandes dimensões, o Brasil é o que mais depende dos caminhões. Aqui estes respondem por 65% da carga transportada, enquanto na Austrália respondem por 53%, na China por 50%, no Canadá por 43%, nos EUA por 32% e, na Rússia por somente 8% (em tkm). Vale observar que o caminhão é o mais perdulário dos modos de transporte: para transportar uma tonelada de carga útil por 100 quilômetros, os caminhões gastam – no Brasil – 2,3 litros de diesel, enquanto os trens gastam 0,4 litros e os navios 0,3 litros.

Carlos Rittl, do Observatório do Clima, diz que “o Brasil parece se esforçar demais para chegar atrasado no futuro. Enquanto vemos avançar mundo afora trens e caminhões com energia solar, internet das coisas e blockchain na logística de transportes, entre outras inovações, governo e políticos se restringem a discutir o preço e os subsídios aos combustíveis fósseis. Nenhum deles, durante esta crise, sequer mencionou a necessidade de revermos nossa dependência de estradas e combustíveis fósseis para transportar cargas atravessando este país continental. No país do sol, dos ventos e dos biocombustíveis, o futuro vira fumaça”, completa.

A política de preços da Petrobras certamente tem papel na crise atual. Ao tentar corrigir o subsídio excessivo dado pelo governo anterior adotando como baliza os preços do petróleo no mercado internacional – e não sua planilha de custos -, a empresa criou uma situação difícil de administrar para aqueles que têm nos combustíveis fósseis um insumo essencial.

Para Rachel Biderman, do WRI Brasil, “é importante usar essa crise para refletirmos sobre nossa excessiva dependência do petróleo, que nos faz vulneráveis a interesses econômicos e políticos, além de causar enormes impactos na saúde e no meio ambiente. Além dos preços abusivos, estamos reféns também da falta de uma política energética focada nas energias renováveis, perdendo na competição com outras economias emergentes que já aderiram às mesmas em combate às mudanças climáticas”.

A injustiça do sistema tributário, claro, também tem seu papel, assim como os têm o preço internacional do petróleo que dobrou nos últimos 12 meses, o dólar que ficou mais caro entre abril-maio, a prolongada crise econômica, o excesso de oferta de capacidade de transporte por caminhões, o ambiente de ‘salve-se o mais forte’ pelo qual setores econômicos buscam arrancar benesses do estado, os problemas localizados nos contratos de concessão de rodovias e muitos outros fatores, entre eles a falta de legitimidade do governo Temer.

O movimento atual, que se desdobra numa crise de mobilidade de pessoas e cargas, faz lembrar, em alguns aspectos, os movimentos de junho de 2013, deflagrados em função de aumentos nas tarifas de transporte público. Ambos relacionados a transportes, ambos falando de custos, em cuja composição o óleo diesel é parte importante tanto das tarifas de ônibus quanto do custo do frete de cargas. Ambos escancarando a fragilidade das políticas públicas, do planejamento e das regras tributárias; ambas revelando a força de novos atores sociais e sua falta de confiança nos “tomadores de decisões”.

Em 2001, o apagão da eletricidade revelou nossa profunda dependência das usinas hidrelétricas. Em 2018 a crise do diesel está revelando que, no estágio atual, sem os combustíveis fósseis, cargas e pessoas perdem a mobilidade em nossa sociedade. Se ainda é difícil entender o quadro socioeconômico que gerou a greve dos caminhoneiros associada ao locaute das empresas de transporte rodoviário, não é difícil perceber que ele exige saídas sustentáveis – e não a repetição do mesmos modelos. Estas, no longo prazo, passam necessariamente pela incorporação no planejamento do transporte no país da racionalidade que permeia o Acordo de Paris pelo clima do nosso planeta, que tem como intenção primordial a descarbonização da economia, isto é, acabar com a dependência dos combustíveis fósseis.

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